Dia destes, minha esposa disse que estou perdendo reflexos. Claro que eu, apesar de não ter discutido, lá com meus botões, não concordei. Reflexo é coisa animal, que não depende de raciocínio, de pensar, embora alguns defendam que esta é uma forma de inteligência.
Acho que, na verdade, estou perdendo, isto sim, a sensibilidade, no que ela tem de mais primitiva. Gosto muito de ouvir, de ler, de escrever e, é claro, de falar. Podem-me dizer que isto não está necessariamente ligado aos sentidos, mas com chegada da idade ainda é o que me resta.
Quando criança, amava ficar ouvindo os pingos da chuva nas telhas. Aquilo, para mim, parecia uma imensa sinfonia, da qual eu conseguia distinguir o ritmo, a cadência, e às vezes imaginava poder contar a quantidade dos pingos quando a chuva era mais forte.
Acho que a correria de hoje, com as lajes entre nós e o mundo, o barulho dos motores, mesmo nas madrugadas, as TVs ligadas a noite toda, e toda uma sorte de acontecimentos, tem nos tirado o prazer de sentir. Pois sentido vem de sentir ou da capacidade de perceber algo ao nosso redor.
Um exercício que amo fazer é ficar captando fragmentos de conversas em um ônibus, por exemplo, e tentar costurar uns aos outros. Loucura, ou o princípio dela, pelo menos, e o resultado final é fantástico, embora na maioria das vezes incoerente. Mas também, o que é coerente hoje em dia? E quem sou eu pra falar em coerência depois de escrever uma coisa destas?